Caros leitores,

Vale muito a pena!

Por: Marcel Ligabô – Geógrafo, Praia Grande/SP – 09/09/2017

Lembrem-se deste nome e deste dia – Irma, 10/09/17. O nome é de um dos furacões mais intensos já registrados no leito do Atlântico, e a data é do momento em que seus ventos e ondas encontraram uma das regiões mais ricas dos Estados Unidos. O sul da Flórida está acostumado a receber esse tipo de evento, mas, desta magnitude, não é algo que acontece com frequência: o último furacão a provocar estragos como os esperados pelo furacão Irma foi o furacão Wilma, que impactou a região no dia 24/10/2005, mas o mais devastador para o sul da Flórida foi, com certeza, o furacão Andrew, em 1992. Aliás esse foi o último furacão categoria 5 a atingir o solo americano.

Nestes dias venho acompanhando o noticiário, através de canais de televisão e aplicativos que sigo diariamente, para me manter informado sobre a situação, a dinâmica da preparação, e a antecipação desta tempestade pela população e pelas autoridades locais. Muita coisa tem sido dita nos noticiários pelo mundo, especialmente que esta é a maior tempestade que o Atlântico já viu. Na verdade, ela está entre as mais fortes, mas não está sozinha. Não podemos esquecer do próprio furacão Andrew (1992), além do Allen (1980), Wilma (2005), Donna (1968), Labor Day (1935), Gilbert (1988), e Camille (1969). Muitos outros se aproximam desta categoria, mas estas são realmente as tempestades mais fortes registradas no Atlântico. Lógico que, com a era dos satélites, ficou mais fácil observar e avaliar esses sistemas. Hoje temos os aviões da NHC (National Hurricane Center), os “Hurricane Hunter”, que fazem vôos diários cruzando os furacões e obtendo dados como a velocidade dos ventos e a pressão atmosférica, e que ajudam muito a identificar a estrutura do sistema e avaliar a sua trajetória e ciclo de vida.

Os últimos dez anos têm sido muito calmos no Atlântico, sem furacões realmente expressivos em termos de real perigo, mas, cedo ou tarde, já era sabido que isso mudaria. E já mudou com o furacão Harvey há 2 semanas. Mesmo que não tenha sido tão forte quanto o furacão Irma, esse sistema provocou muitos estragos por conta dos alagamentos. O mesmo aconteceu com o furacão Katrina em 2005, que, ao contrário do que muitos esperavam, era apenas um furacão categoria 2 no momento em que chegou ao solo americano. A repentina volta dos números elevados de furacões em uma temporada já era esperada, pois a última temporada que apresentou muitos furacões foi a de 2008, quando a iminente projeção de uma tragédia provocada pela formação de 3 sistemas (Gustav, Hanna e Ike) ao mesmo tempo no Atlântico chamou a atenção da população e dos governantes; inclusive o próprio presidente em exercício na época, George W. Bush, ficou muito atento aos possíveis impactos causados por esses sistemas, uma vez que, 3 anos antes, no caso do furacão Katrina, a sua administração ficou marcada pelo descaso e falta de preparo da FEMA (Federal Emergency Agency),  responsável pela preparação e ajuda humanitária e emergencial.

 

Os alagamentos causados pela elevação do nível do mar não serão muito sentidos na região sul da Flórida, pois apenas aqueles que moram muito próximos ao mar enfrentarão essa dificuldade, o que é o caso dos bairros da região sul de Miami como Kendall, Homestead e partes de Miami Downtown. Já as regiões mais afastadas do mar terão sérios problemas com as inundações causadas pelas fortes chuvas geradas pelo furacão.

Na região de Everglade, é esperado um aumento de até 15 pés no nível do mar, provocado pelo centro de baixa pressão do furacão que cria uma parede de água salgada direta do oceano Atlântico, e que, aliada aos fortes ventos, levará por quilômetros o mar continente adentro. Imagine que cidades como Naples, Fort Myers, até mesmo Tamba Bay e Clearwater serão afetadas pela elevação do mar. Essas cidades são basicamente turísticas e habitadas por pessoas que vivem da pesca e da região pantanosa do Everglades.

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Figura 1: Provável elevação do nível do mar

Outro fator a ser considerado na passagem deste furacão, com certeza, é o tipo de relevo e vegetação ali encontrados, pois trata-se de uma região pantanosa formada por uma planície alagada, famosa pela pesca e pelos parques nacionais que são santuários para crocodilos e diversas espécies de mamíferos e aves.

O Everglades, além do incrível impacto que sofrerá com a passagem deste sistema, também fará com que o sistema não perca intensidade ao entrar no solo americano. Geralmente esses sistemas perdem intensidade ao passarem por áreas continentais, muito por conta do atrito gerado pelo relevo e por cortar o principal combustível de um sistema convectivo tropical, a saber, as águas oceânicas aquecidas. Porém, como foi dito, a região do Everglades se destaca justamente por ser pantanosa e alagadiça, uma planície que se estende por quilômetros adentro do continente. Isso fará com que o sistema não sinta muito o atrito continental e mantenha a sua intensidade por centenas de quilômetros na direção norte, cortando todo o estado da Flórida com ventos de intensidade de um furacão de, no mínimo, categoria 2 ou 3, o suficiente para provocar queda de energia, cortar o fornecimento de água encanada, e outros possíveis danos materiais e físicos à população residente, que, no caso dessa região pantanosa, são pessoas que vivem em casas de madeira pré-fabricadas e casas-trailer que são facilmente destruídas por ventos desta magnitude.

Nestes dias venho lendo todo tipo de noticiário – desde pessoas que trabalham exclusivamente com furacões, até fontes jornalísticas que estão noticiando o evento. Ficou claro, para mim, o desconhecimento total por parte da imprensa em noticiar este furacão, o que não me causa espanto algum; porém, quando inverdades a este respeito são ditas, fica difícil não me incomodar com isso. Sendo assim, separei dois pontos que precisam ser melhores elaborados neste momento:

  1. O período de ocorrência dos furacões nos Estados Unidos vai, oficialmente, de junho ao início de dezembro. Mesmo que alguns sistemas já tenham sido formados antes ou depois dessas datas, o normal é que eles ocorram nesse intervalo de junho a dezembro. Meses como agosto, setembro e outubro são os que mais apresentam formações de tempestades tropicais e furacões. O gráfico a seguir mostra, com mais precisão, que justamente as duas primeiras semanas de setembro são, reconhecidamente, as mais ativas, com o maior número de tempestades tropicais e aquelas mais intensas que chamamos de furacão, não importando a sua categoria, que varia de 1 a 5. E, vou além, historicamente os dias 9, 10 e 11 de setembro são os mais ativos em termos de sistemas que chegam ao Estados Unidos. Pode parecer coincidência, mas o dia 11 de setembro pode ter sido escolhido a dedo pelos terroristas do atentado às torres gêmeas em Nova Iorque, mas isso é assunto para tratarmos em outra ocasião.irma 2
  2. O sistema foi sim um dos mais fortes já documentados no Atlântico, porém, existem outros furacões que tiveram a mesma intensidade ou foram até mais fortes, como vemos na tabela. Vale lembrar que a categoria 5 de um furacão é a última da escala Saffir-Simpsons, que vem sendo usada desde os anos 70 como referência à intensidade dos ventos em um ciclone tropical. Durante estes dias, escutei o absurdo que teríamos que inventar uma nova categoria, pois se tratava de um furacão que estava bem acima da categoria 5. Assim sendo, queriam inventar uma categoria 6 e, imaginem só, uma categoria 7. Isso mesmo: categoria 7! Não sei se é falta de conhecimento do assunto ou somente mais uma tentativa de enfiar goela abaixo da população a mentira escabrosa de que isso só está acontecendo por conta do aquecimento global. Basta! Um pouco de entendimento do assunto e vergonha na cara já seriam suficientes para saber que esses eventos são raros, mas eles já aconteceram no passado. Novamente, como o nosso ritmo de vida e percepção do tempo é muito curta, identificar a variação da frequência e intensidade dos furacões, que são avaliados em uma escala decadal de tempo, se torna algo difícil para as pessoas entenderem que mesmo que elas não tenham vivenciado algo, não quer dizer que este algo não tenha acontecido (no caso, um furacão categoria 5).

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Um ponto é válido: desde a era dos satélites nunca se observou um furacão categoria 5 que tenha se mantido nessa categoria por mais de 2 dias. De fato o furacão Irma se manteve categoria 5 por 4 dias seguidos, e muito se deve ao fato de ele ter surgido próximo à costa africana, então teve espaço e condições favoráveis para se manter desta forma por mais tempo. Entre outros fatores, como nenhum outro sistema pela frente, em outros casos de sistemas que atingiram categoria 5, além de estarem mais próximos do continente – o que daria menor espaço para se manterem nessa categoria – eles não possuíam nenhum outro ciclone tropical em sua rota. Quando isso ocorre, as condições atmosféricas e oceânicas não são favoráveis para a manutenção do sistema e sua estrutura.

Este não é o primeiro furacão a causar pânico na região: a população local mais velha já experienciou diversas oportunidades como esta durante a vida. Tampouco será o último: a próxima vez pode ser ainda esse mês, ou em outubro, ou no próximo ano, ou até mesmo em 12 anos. Ou mais. Ou menos. Ninguém sabe. Porém devemos aprender com as nossas experiências, que já foram muitas. Então todo cuidado é pouco: mesmo que este sistema caia para categoria 3 ou 4, a sua capacidade não será menos destruidora. E, ao contrário do que muitos possam interpretar, não escrevi este documento para menosprezar este furacão: ele é, de fato, muito destruidor, e pode arruinar vidas e propriedades de pessoas, inclusive, conhecidas e queridas por mim. Na verdade eu escrevi este documento para tentar melhor informá-los do que realmente ele é e de como ele se encaixa no contexto histórico da variabilidade natural dos ciclones tropicais, sem associação alguma com a falsa impressão de que isso esteja acontecendo devido a um suposto aquecimento global.

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Figura 2: Possível trajetória do furacão Irma